O assunto “pirataria de software”, principalmente para os adeptos do uso de emuladores, é recorrente, mas não só para eles. Na semana que escrevo este singelo artigo, ao sexto dia, do mês de março, do ano de 2024 (06/03/2024), a Nintendo conseguiu mais uma vitória contra um desenvolvedor de emulador, jogando seus cães de guerra (departamento jurídico) sobre o coitado. O Yuzu, um emulador de Nintendo Switch, foi obliterado pela poderosa Nintendo, sempre zelosa em proteger suas marcas e propriedades. Não posso tirar, de modo algum, toda a razão da Nintendo, mas será que é necessário atuar de forma tão incisiva nessas questões? Será que não há um meio termo. Afinal você precisa considerar que o cara construiu um emulador funcional de um console poderoso. Isso implica muito conhecimento que a própria Nintendo poderia aproveitar.
Essa ação toda trouxe à tona, novamente, a discussão sobre pirataria de software. Esse assunto ainda é um problema de grandes proporções e traz muitos prejuízos a empresas que investem grandes somas de dinheiro para criar jogos eletrônicos ou, mesmo, softwares para todo tipo de uso em nossos computadores e celulares, de modo a facilitar nossa vida. Entretanto, quando o assunto é emuladores o assunto fica nebuloso. Afinal, a emulação tem um fator muito mais nostálgico e envolve software, em sua grande maioria, desenvolvido décadas atrás. A maioria dos interessados em emuladores (e é nesse grupo que me incluo) tem interesse em resgatar jogos e sensações de uma época de sua infância e/ou adolescência. Como ter acesso àquele joguinho obscuro que você passava algumas horas jogando naquele bar grudento ou um fliperama mega barulhento? Dependendo da idade do jogo, eu diria que é quase impossível.
Pois bem, no caso do emulador do Switch, ele conseguia contornar camadas de proteção para permitir que o usuário pudesse jogar. Também permitia que você emulasse uma plataforma em pleno funcionamento, com equipamentos e jogos amplamente disponíveis, mesmo no Brasil. A legislação norte-americana, onde o processo foi aberto, é bem categórica sobre isso, dizendo que burlar os métodos de segurança constitui, sim, pirataria de software. Por fim, o responsável pelo Yuzu, orientado pelo seu advogado, cedeu e fez um acordo com a big N. O outro emulador em que ele trabalhava, o Citra, que emula o portátil 3DS, também entrou no acordo. Ele vai pagar uma grana para a Nintendo a título de compensação, os códigos fontes não podem mais ser divulgados e, provavelmente, devem até ser destruídos (o que acredito que nunca vá acontecer) e os domínios dos site serão repassados para a Nintendo. Alvo marcado e destruído. Nada de emulador de Switch por enquanto (não fale para ninguém, mas tem outro em pleno desenvolvimento). Mas duvido que ele não ressuscite daqui a alguns anos, depois que a plataforma for descontinuada. Quem viver, verá.
Só que surgem diversos outros dilemas nesse assunto. E aquele joguinho de Atari 2600? E aquele jogo lançado para Philips Odyssey somente no Brasil, no final da sua curta vida e que poucas cópias físicas existem, que você jogou quando era um infante e tem lembranças maravilhosas? Como ter acesso a um jogo como esse sem ir à falência?
Pois é. É aí que a mágica dos emuladores acontece. A solução ideal é comprar o console e o cartucho do jogo e, pode acreditar, a sensação de jogar na plataforma original nenhum emulador conseguirá equiparar. Entretanto, dependendo da raridade do jogo e do console ou da máquina de arcade, isso pode ser um tanto quanto caro. Convenhamos. Ter um console antigo pronto para jogar em casa é um luxo. É um passatempo caro. Videogames são produtos eletrônicos onde muitos já passam dos 40 anos de existência. Os controles raramente sobrevivem a essa passagem do tempo e, não raro, todo o conjunto precisa de uma boa manutenção que depende de profissionais altamente especializados e que, em geral, também são apaixonados por jogos antigos. Aqui mesmo onde eu moro, uma capital de estado no sul do país, é bem difícil encontrar alguém disposto a mexer em um console velho ou em uma TV de tubo gigantesca. Nem vou entrar na discussão de que você também precisa ter espaço disponível em sua casa para seus consoles old-school, além de uma boa TV de tubo. Ah, sim! Dinheiro, principalmente para os jogos. Jogos esses, aliás, que subiram de preço absurdamente durante e depois da pandemia do coronavírus. Agora, se sua lembrança é com aquele jogaço de fliperama, você vai ter problemas ainda maiores, literalmente. Além da aventura em encontrar a máquina com o gabinete original com tudo dentro (nem vou exigir que esteja funcionando), você vai precisar de muito espaço em casa e uma boa conta bancária.
Ainda é preciso encarar uma realidade da qual muitos retrogamers não querem nem ouvir falar. Mesmo consertado e funcionando, não sabemos quanto tempo os chips de memória em que esses jogos estão gravados ainda durarão. Equipamentos eletrônicos não são eternos e, considerando que muitos desses cartuchos e placas de jogos estão em combate há mais de 40 anos, não podemos esperar que durem outros 40 anos. Guardá-los sem uso também não é uma solução. Esses mesmos componentes eletrônicos se deterioram ainda mais rápido se não forem usados. Ah, e não adianta dar uma ligadinha todo o mês. É preciso ligar e deixá-lo atingir a temperatura ideal de uso. Uma vez por mês por pelo menos um hora é meio que consenso entre colecionadores aficionados. Nem todo mundo tem tempo ou espaço ou paciência para isso. E é esse espaço que os emuladores surgiram para preencher.
Eu sei que existem maneiras legais de se jogar muitos desses jogos antigos como é o caso do Evercade, que é uma plataforma sensacional. Só que o Evercade é caro e um tanto quanto complicado de trazer para o Brasil, limitando o acesso da maioria dos gamers das antigas. Ele tem muita coisa disponível, mas não tudo. A Blaze Entertainment Ltd., empresa por trás do aparelho, só trabalha com jogos licenciados e é aí que reside um dos grandes problemas nesse tipo de iniciativa: os direitos autorais. A Blaze faz acordo com os donos desses direitos e re-publica os jogos adaptando-os, inclusive, para rodar nas TVs modernas. O problema é que muitos jogos estão literalmente perdidos. Ninguém sabe onde ou com quem os direitos autorais estão. Muitas software houses faliram ou simplesmente fecharam as portas nesse tempo todo. Muitos códigos fonte de jogos foram perdidos e vendidos e trocados e sabe-se lá mais o que. Como resgatar isso? Como recuperar esses jogos?
Durante os anos que se passaram, um grande grupo de entusiastas tem feito o que se chama de DUMP. Pegaram os cartuchos ou memórias ROM dessas placas de jogos e, usando um equipamento especial, copiaram seu conteúdo para arquivos, armazenados em computadores que nós chamamos de ROMs de jogos. Essas ROMs se espalharam primeiramente entre esses entusiastas e com o advento da internet, se espalharam por todos os cantos do mundo. Através de uma busca simples é fácil encontrar os jogos de praticamente qualquer console ou máquina arcade antiga. Mesmo que a Nintendo se enveredasse na tentativa de destruir tudo, jamais conseguiria. E olha que ela já tentou. Pergunte ao pessoal do site EmuParadise.
Porém, copiar esses jogos (essas ROMs), e usar no seu computador é pirataria? Aí é que está. A resposta é: depende.
A lei, pelo menos a norte-americana e europeia, diz que você pode ter cópia do software que você adquiriu legalmente, desde que seja para resguardar o valor que você investiu nesse software. Ou seja, você pode ter um ou mais backups desde que não compartilhe com ninguém. Então, em tese, se eu tenho o cartucho de um jogo de videogame, mesmo recente, e tiver a tal maquininha para extrair os dados da ROM do cartucho, eu posso. A lei entra em um limbo quando você tem o cartucho, mas faz o download da ROM da internet. Eu enxergo como ilegal, mas eu não sou advogado e mesmo os juristas não se entendem sobre isso.
Outro movimento que defende essa cópia digital de jogos é o de preservação deles. Há defensores ferrenhos disso e eu me incluo nisso. É como eu falei anteriormente. Em um determinado momento, nem os consoles, nem os cartuchos e nem os CDs desses jogos funcionarão mais. Quando isso ocorre, o que estava naquele chip de memória fica irremediavelmente perdido. Resgatar os dados de um componente desses é praticamente inviável. Não esqueçamos que muitos dos códigos fonte de muitos desses jogos se perderam com o passar dos anos, assim como os equipamentos e softwares necessários para compilá-los e transformá-los em um novo cartucho. A solução mais simples encontrada foi fazer cópias dos dados contidos nesses cartuchos enquanto ainda isso ainda é possível. Esse movimento, com certeza, não deixa os proprietários dos copyrights dos jogos nem um pouco felizes, entretanto, aqui, entramos em outro assunto bem controverso.
Vamos descartar jogos mais recentes. Nesse ensaio e para esse quesito, somente jogos de consoles antigos e fora de linha a pelo menos 15 anos podem se valer do que falarei a seguir. Afinal, quando falamos de jogos antigos, estamos falando de softwares em que o dinheiro investido neles já foi todo amortizado. Talvez o jogo ET, para Atari 2600 não seja um caso, mas isso é outro assunto. Entretanto, quanto um jogo de sucesso para, por exemplo do Atari 2600, como River Raid, ainda pode render? Que público ele quer atingir? É lógico que, para a Activision, isso é sua propriedade intelectual, que eles ainda licenciam para lançamentos de versões retro do console Atari ou até mesmo compilações para consoles mais novos, ganhando mais uns trocados (que nem deve ser tão pouco assim). Só que esses valores não devem chegar nem perto dos valores alcançados no lançamento original desse jogo exemplo, no natal de 1982 e auge da febre Atari. Quem busca um jogo como River Raid atualmente, em sua grande maioria, está procurando matar saudades. Não pense que um garoto de 15 anos em pleno 2024 está realmente interessado na compra de um jogo desses, com o objetivo de fazer o maior placar possível. Ele pode jogar e se divertir por um breve momento de curiosidade, mas um jogo antigo como esse do exemplo que dei, nunca terá o mesmo apelo que tem para um marmanjo que teve a oportunidade de botar suas mãos no cartucho na longínqua década de 1980. Então, até entendo que essas empresas achem que podem ganhar ainda mais grana com um jogo de 40 anos, mas eles estão errados. Todos deveriam olhar para isso como algo a ser resguardado e cuidado, não como um produto do qual ainda se pode espremer mais algum lucro. Não estou falando de usar a marca e criar um novo jogo.
E por último, mas não menos importante é o tempo. Sim, o tempo. A janela dos nostálgicos dispostos a pagar para jogar essas velharias está se fechando. Uma criança que tinha 10 anos de idade em 1984, o auge do Atari no Brasil, por exemplo, tem 50 anos em 2024. Uma criança que conheceu videogames a partir do Playstation já está na casa dos 40 anos em 2024. As empresas desejosas de espremer mais algumas moedas de seus antigos jogos ainda tem mais uns 20 ou trinta anos para fazê-lo. Por isso iniciativas como museus de videogames ou de armazenagem desses arquivos de jogos antigos são muito importantes. Em alguns anos, a maioria desses jogos antigos será mera curiosidade e, se não os preservamos ou chegarmos a um acordo, serão meras imagens estáticas em sites e livros. Claro que nenhum gamer apaixonado quer que isso ocorra. A pirataria é, sim, um mal a ser combatido nesse mercado, entretanto está na hora de todos olharem para a mesma direção e focar no que é realmente pirataria e o que precisa ser devidamente preservado. Não esqueça que o super atual e tecnológico jogo de hoje, também será peça de museu em 20 ou 30 anos.